O SORRISO DA CAVEIRA
GENÊRO - CONTO
AUTOR - FERNANDO SABINO
LIVRO - OS MELHORES CONTOS DE FERNANDO SABINO
BESTBOLSO - 2009
Mexendo nas coisas do marido, procurando um objeto qualquer, de repente deu um grito de pavor.
- Meu Deus, o que é isso?
No fundo do armário uma caveira sorria pra ela.
- O que houve, pergunta o marido?
Ela apontou pra dentro do armário:
- O que é isso?
-Uma caveira, não esta vendo?
-Onde arrumou isso?
- Fui estudante de medicina até o segundo ano, eu lhe contei. Meu pai queria que eu fosse médico e me deu essa caveira, para estudar anatomia, era dele.
- E porque ficou com ela por tanto tempo?
- É de mulher?
- Pode ser... sei lá... é uma caveira, pode ser de homem ou mulher.
- Pois ela não fica mais aqui nem um dia, apontando para a porta.
- O que quer que eu faça com ela?
- Sei lá, jogue fora.
- Jogar onde ?
- No lixo, onde você quiser.
- Ela é inofensiva...
- Eu guardo em outro lugar.
- Não.
- Mas não posso jogar no lixo uma caveira, pode ser uma complicação.
- Esta bem eu vou dar um jeito nela, me arrume uma sacola.
- Você é coveiro aqui no cemitério?
- Sou sim senhor, posso ajudá-lo?
- Se for enterro, só com a administração.
- Não é enterro não. isto é, talvez seja não sei. É uma caveira. Estou querendo dispor de uma caveira.
- Tá querendo uma caveira?
- Não. Já tenho uma, muito obrigado. Você não entendeu, estou querendo me livrar dela.
- Livrar dela?
- O senhor é médico?
- Não.
- O senhor faz o quê com uma caveira? De quem é a caveira?
- É minha, foi do meu pai que era médico e me deu.
-Não posso fazer nada, só na administração.
O funcionário da administração disse que ele precisava de uma guia, da delegacia, e que lá iria precisar de um atestado de óbito. Mas como conseguir um atestado de óbito de uma caveira, impossível.
Já ia desistindo quando o funcionário o chamou e disse que no fim do cemitério, existia um ossuário. Que ele deveria voltar bem de noite e deixar lá. Por sua conta e risco.
E assim foi, quando escureceu voltou ao cemitério e foi onde indicou o tal funcionário da administração, mas quando chegou no local, não conseguia abrir a porta de ferro, por mais que tentasse.
- Você aí!- ouviu uma voz gritando de longe, e alguém correndo em sua direção.
Saiu correndo com a caveira na sacola, em disparada pra fora do cemitério.
Chegou em casa esbaforido com a caveira sorrindo e já foi falando:
- Decidi ficar com ela e os incomodados que se retirem.
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