POESIA
A CANÇÃO DO AFRICANO
CASTRO ALVES
Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao seu cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão...
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no fim crava,
Que tem no colo a embalar ...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez p'ra não o escutar!
"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem ;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!"
" O sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!"
"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ..."
"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro"
O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
P'ra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!
O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.
E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!
Fonte Bibliográfica:
Nova Enciclopédia Brasileira de Consultas e Pesquisas
Novo Brasil Editora Brasileira Ltda
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